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A Igreja em transformação

MIRANDA, Mario de França. A Igreja em transformação. Razões atuais e perspectivas futuras. São Paulo: Paulinas, 2019, 119 p., 14,0 x 21,0 mm – ISBN 9788535645453


Mario de França Miranda possui doutorado em Teologia pela Universidade Gregoriana. Atualmente é professor de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC –Rio. Foi membro da Comissão Teológica Internacional do Vaticano, assessor do CELAM e da CNBB, tendo várias obras teológicas e numerosos artigos já publicados.


O autor situa o leitor diante da problemática na qual nasceu esta obra que trata das transformações da Igreja com o pontificado de Francisco. Nasceu de uma indagação muito pessoal: como explicar as tensões/agitações em curso na Igreja que, à primeira vista rompe com um passado mais tranquilo? Resulta ela das tensões e dos extremismos presentes na atual sociedade? Ou suas raízes estão no interior da própria Igreja, sacudida por novos questionamentos, por novas compreensões da fé cristã, por novos padrões de comportamento, por novas espiritualidades, por novas instituições e por novas práticas religiosas? Ou por ambas as causas, já que Igreja e sociedade sempre interagiram mutuamente; afinal, a Igreja se encontra no interior da sociedade, não só a influenciando, mas também sendo por ela atingida. 


Lança um olhar propositivo sobre as transformações socioculturais. Elas atestam a vitalidade e a fidelidade da Igreja à sua missão numa sociedade sempre em transformação, para a qual ela deve anunciar a salvação de Jesus Cristo.   O autor entende que as transformações culturais e sociais que a sociedade experimenta ao longo da história não deixaram de atingir também a Igreja, que sem perder sua identidade provinda de Deus, terá que mudar sua linguagem e sua estrutura para que se faça entendida e significativa para toda uma geração. É para esta sociedade que a Igreja deve falar.  A Igreja muda para poder continuar sendo Igreja, sinal ou sacramento devidamente captado e entendido pela sociedade de então. Como continuadora da missão de Jesus Cristo ao longo da história, como aquela que deve proclamar e realizar o projeto de Deus para a sociedade humana-projeto este condensado na expressão Reino de Deus -, traz consequências sérias para a realidade institucional, cultural, pastoral e, sobretudo, missionária desta mesma Igreja. Pois a pessoa de Cristo anunciada pela Igreja constitui sempre um fator de correção e de reforma para ela própria. Transformações que surgem do confronto com a pessoa de Jesus Cristo são necessárias, justificadas e realmente cristãs, porque provêm da ação do Espírito Santo, sempre atuante na comunidade dos fiéis. 


É neste contexto que se encontra o papa Francisco. Experimentamos mudanças institucionais e doutrinais que buscam caracterizar a Igreja como: missionária e descentrada; configurada pela colegialidade episcopal e pela sinodalidade de todos os seus membros; respeitosa das diversas culturas; seriamente voltada para os pobres e marginalizados, uma Igreja na qual ser cristão signifique ser missionário sem mais. Tudo isso traz consequências. Internamente estamos vivendo uma situação eclesial tensa marcada por oposições e resistências. A hora pede que evitemos avaliações precipitadas, emotivas, imaturas. Faz-se necessário melhor compreender o atual momento com as transformações em curso e chegar a um juízo mais fundamentado para uma avaliação mais objetiva e realmente cristã. O propósito dos cinco capítulos deste livro é ajudar a alargar a compreensão neste sentido.


No primeiro capítulo do ponto de vista antropológico e pneumatológico mostra que a humanidade está sempre sujeita a uma evolução em todos os setores de sua realidade, pois todo conhecimento humano é histórico, sujeito ao contexto no qual acontece, com suas riquezas e limitações. O conhecimento sendo o tema principal deste capítulo é analisado em sua complexidade: conhecimento e interpretação; conhecimento e história; conhecimento e tradição; a questão da verdade e seu desvelamento na história; a verdade cristã; a atuação do Espírito Santo e a renovação eclesial. 


No segundo capítulo de cunho histórico procura-se mostrar como a evolução em doutrinas e em práticas sempre foi uma constante na história da Igreja, seja devido às transformações socioculturais, seja por causa das reformas eclesiais que urgiam.  O objetivo do autor neste capitulo não é apresentar a história da Igreja em toda a sua amplidão, mas comprovar com fatos ocorridos a inevitável evolução do cristianismo ao longo dos anos, decorrente de sua historicidade e da ação contínua do Espírito Santo – destacando, para isso, as mudanças institucionais e a evolução doutrinal. As transformações na instituição eclesial são simplesmente inevitáveis. Importa perceber como o entorno histórico, seja linguístico, seja institucional, provocou novas expressões e novas estruturas para que a fé cristã pudesse ser captada e vivida tanto pessoal como comunitariamente. Importa, ainda, perceber que não se trata apenas de uma inculturação da fé em novos contextos socioculturais, mas de um aprofundamento da verdade cristã, ampliando seus limites, possibilitando novas relações, fazendo emergir elementos latentes ou implícitos até então desconhecidos, ou ainda, recuperando outros esquecidos pelas gerações anteriores. 


No terceiro capítulo é abordada a questão das resistências às mudanças  encontradas por Francisco. O autor busca examiná-las, descobrir suas causas e submetê-las a uma avaliação de fundo. As raízes/razões da oposição às necessárias transformações sejam elas relativas à compreensão da doutrina cristã, sejam elas concernentes à instituição eclesial são elencadas como: 1) a questão do poder (ministério como serviço ou degeneração em privilégios, arrogância, encobrimento da insegurança pessoal); 2) a busca pela segurança (as mudanças na sociedade e na cultura geral provêm em grande parte da insegurança psicológica que provocam nas pessoas); 3) um cristianismo de ritos tradicionais (intimamente ligado à tendência tradicionalista, por valorizar demasiadamente as expressões, os ritos, as devoções, as obrigações e os procedimentos do passado, está um catolicismo sem grande incidência na vida pessoal e social); 4) estrutura mental estática (o inevitável horizonte de compreensão, sempre presente e atuante do conhecimento humano, tenhamos nós, ou não, consciência dele). 


No quarto capítulo considerado pelo autor como o mais importante busca-se fundamentar os esforços atuais por uma renovação do corpo eclesial. Esclarece-se que a transformação eclesial que hoje experimentamos não resulta apenas das importantes e significativas mudanças culturais, ou ainda da inevitável e continua busca do ser humano pela verdade, mas, sobretudo, da própria fé cristã. Os temas aqui apresentados: 1) Jesus Cristo e o Reino de Deus; 2) O Deus do Reino; 3) A evolução histórica; 4) Igreja e missão; 5) nova configuração eclesial; 6)uma Igreja sinodal; 7) a Igreja e os pobres; 8) a ação do Espírito Santo; 9) um Deus misericordioso - podem incomodar num primeiro momento, por indicarem uma nova compreensão da nossa identidade cristã mais próxima ao Evangelho, mais exigente, porém mais significativa e estimulante, para afrontarmos a aventura que é a própria existência humana. A fundamentação dada para cada um destes temas ajudará a Igreja a rever sua ação pastoral em consonância com o apelo do Papa Francisco por uma conversão pastoral e missionária. 


Na última parte, à guisa de conclusão, o autor, buscando fazer a passagem das razões teológicas para a ação pastoral, ou seja, como poderiam as verdades expressas teologicamente ser, de fato, vividas por seus membros -  apresenta algumas características que a Igreja deveria ter neste terceiro milênio: 1) a urgência de uma linguagem atualizada; 2) a primazia do vivido; 3) o amor fraterno na construção do Reino de Deus; 4) um laicato missionário; 5) uma Igreja futura diferente. Esclarece que se trata de uma tarefa complexa que implica novas expressões, novas estratégias de evangelização, novas instituições, seja no nível paroquial, diocesano, seja no regional. 


A competência do autor impressiona. Nas palavras de Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães: “ele é um mestre de muitas e incontáveis pessoas, pelo serviço que presta por meio da teologia, de altíssima qualidade e acentuada sensibilidade pastoral” (p. 16).  Livro bem elaborado pedagogicamente. O conteúdo abordado no livro com linguagem clara, simples e sem as preocupações com o rigor cientifico é bem fundamentado, com profundidade e consistência-  permitindo ao leitor conhecer, ampliar, aprofundar, tomar consciência que a Igreja enquanto instituição é também fator cultural , reconhecendo por isso, a necessidade de renovar-se constantemente e de colocar-se na ordem do dia. 


Ecclesia semper reformanda. Se a Igreja está em contínua reforma como ensinou o Concílio Vaticano II – essa verdade de natureza teológica encontra imensas dificuldades no momento de ser colocada em prática – essa reforma permanente da Igreja tem sido a causa abraçada pelo papa Francisco através de estratégias pontuais e processos gradativos, não sem polêmicas, resistências, avaliadas e testadas no espaço público interno e externo da Igreja. 


O texto serve para qualquer tipo de pessoa, mas poderá ser usado com muito proveito por lideranças pastorais, estudantes de teologia. Traz excelente contribuição para fundamentar o diálogo/discussão sobre o atual momento eclesial com as transformações em curso. 

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