Iniciação à reflexão teológica | Editorial | Ciberteologia - Revista de Teologia e Cultura

EDITORIAL

A edição 47 de Ciberteologia, edição de primavera, é uma seleta para leitores e leitoras em busca de textos de iniciação à reflexão teológica. Fizemos uma amostragem de textos saídos na coleção “teologia na universidade” em combinação com alguns verbetes do recente Compêndio de Ciência da Religião, obra que constitui um marco na história da ciência da religião no Brasil.


Assim, na seção de Artigos, está à disposição o trabalho Religião como sistema normativo: Considerações sistemáticas e exemplificações, de Frank Usarski. Segundo o autor, reflexões sobre a religião na sua função como sistema normativo têm representado um tema importante e persistente na área dos estudos da religião. Depois de discutir algumas abordagens a respeito, o autor sintetiza os principais elementos constitutivos para o potencial normativo da religião e seu impacto sobre a vida humana.


Em seguida, Marcelo Camurça, em Religiosidades Científicas hoje: Entre o secular e o religioso, assinala que a dimensão do sagrado e da religiosidade encontra-se muitas vezes presente nas esferas laica e profana cumprindo nelas uma função simbólica e de significação. Por seu lado, as ciências sociais veem com cautela o uso desta constatação como método para a compreensão desta outra faceta dos fenômenos científicos, políticos e sociais, no que se convencionou chamar de “religiosidades seculares” ou “sacralidade laica”. No entanto, o autor julga que esta perspectiva pode esclarecer outra faceta dessas realidades consideradas como não religiosas, revelando para além de sua autorreferência, de seus aspectos evidentes e de seus reducionismos-dimensões de um imaginário e de produção de sentido também constitutivas destas realidades.


Ser como Deus: críticas sobre as relações entre religião e mercado, de João Décio Passos, investiga as relações entre religião, mercado e consumo por ângulos diversos e se inscrevem na longa duração dos tempos modernos. A religião, contrária a muitas promessas políticas e científicas, atravessou a modernidade e permaneceu viva a atuante. O mercado fez triunfar a própria racionalidade moderna, sempre mais eficaz e provedora de bem-estar. O consumo, por sua vez, triunfou como modo de vida hipermoderno, respondendo simultaneamente à produção acelerada e ao desejo humano sempre insatisfeito. A teologia, como discurso valorativo, discorre sobre o papel do ser humano no mundo e, na perspectiva do dever ser, tece uma critica não somente sobre as estruturas e dinâmicas históricas, bem como sobre suas próprias fontes. Nesse sentido, tanto a religião como o mercado e o consumo podem ser lidos criticamente pela teologia, que ao colocar a pergunta sobre a destinação última de cada uma dessas realidades, afirma os valores que os orientam na relação totalizante entre o Criador e a criatura.


Do mesmo autor, o texto Compreendendo a realidade como valor é uma exposição didática sobre como o ser humano vive a partir de valores que motivam e direcionam suas ações. A sua relação com o mundo e com os outros ocorre numa dinâmica valorativa que articula meios e fins, ainda que, muitas vezes, certos meios sejam afirmados como neutros, sem vínculos com finalidades externas às suas estratégias e técnicas, capazes de produzir efeitos eficazes por si mesmas e, portanto, capazes de atingir seus objetivos operacionais. Nesse sentido, o postulado da indiferença, da neutralidade ou da relatividade dos valores, relacionados a qualquer ação humana não capta o real dinamismo do espírito humano que constrói, concomitantemente, estratégias e sentido para a sua ação. Com efeito, a ação orientada por valores se dá no interior de um processo de compreensão da realidade. Valorar e conhecer são posturas que se interagem de alguma forma na relação concreta do ser humano com mundo, com os outros e consigo mesmo.


Eduardo R. Cruz, por sua vez, oferece no artigo Estatuto epistemológico da Ciência da Religião, extraído do recente “Compêndio de Ciência da Religião” (concebido e organizado pelos docentes do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciência da Religião da PUC-SP), uma atualização sobre a discussão que se tem feito no Brasil com vistas a conferir respeitabilidade acadêmica à disciplina. Essa preocupação reflete-se também na indefinição relativa ao próprio nome dado à disciplina: “Ciência(s) da(s) religião(ões)”. Nomes importam, sim, enquanto candidatos a conceitos. De fato, cada conjunto de conceitos e respectivas definições e articulações nos fornece uma proposta de conhecimento do aspecto da realidade a que eles se referem, o que envolve um exercício de epistemologia.


A seção de Notas abre-se com o inspirado texto da pastora metodista Nancy Cardoso Pereira, Cantando eu mando a tristeza embora... rap, reggae, hip-hop: tudo bíblias! Ela analisa a relação entre ritmos e letras populares (rap, hip-hop...) e as salmodias bíblicas. A linguagem, diz a autora citando Octávio Paz, é um mundo de chamadas e respostas; fluxo e refluxo, união e separação, inspiração e expiração. A fala é um conjunto de seres vivos, movidos por ritmos semelhantes aos que regem os astros e as plantas. A poesia e a música são respostas-e-chamadas do ritmo básico e vital que movimenta toda a linguagem. Os Salmos da Bíblia são também poesia & música. Rap. Religião.


Em seguida, em A palavra sagrada nas religiões, Faustino Teixeira assevera que a religião não é somente uma questão de credo ou de instituição, nem apenas uma experiência pessoal ou comunitária, mas uma “estrutura simbólica” que intermedeia a dinâmica da relação entre o indivíduo ou a comunidade e o Mistério Absoluto. Na raiz de todo esse processo há o movimento da livre e gratuita auto comunicação de Deus, que está dada de antemão a toda pessoa e pode ser acolhida autenticamente onde quer que aconteça o exercício da existência humana.  As religiões são canais verdadeiros da presença amorosa e gratuita de Deus no tempo, mas a mediação dessa presença salvífica e universal não precisa ser unicamente uma pessoa, como ocorre com Jesus Cristo no cristianismo, pois ela pode se dar num livro, num evento, num ensinamento e numa práxis. E esse é o objetivo dessa nota, ou seja, comentar a captação da palavra sagrada nas diversas tradições religiosas.


Teologia na universidade, como convém, de Afonso Maria Ligorio Soares, reivindica a pertença universitária da Teologia como companhia inseparável do mundo contemporâneo. Porque fazer teologia é preocupar-se justamente com a incômoda síntese entre o pensamento simbólico-literário semita e a reflexão simbólico-conceitual grega. Ciência Prática da Religião: considerações teóricas e metodológicas, de Udo Tworuschka, também extraído do citado “Compêndio de Ciência da Religião”, expõe didaticamente a origem, o significado e a atualidade dessa abordagem, mais conhecida no Brasil pela expressão “Ciência da Religião Aplicada”. Do mesmo Compêndio vem o texto História das Religiões: breve panorama histórico e situação atual no Brasil, de Fernando Torres-Londoño, e esboça um panorama da disciplina acadêmica História das Religiões, expondo sua variedade de escolas e destacando, nas discussões, ambiguidades e discrepâncias que emergem, uma avaliação que ajuda a entender essa disciplina ainda em formação.


Finalmente, História da Ciência da Religião, de Frank Usarski, é verbete do citado Compêndio. Para o autor, o termo Ciência da Religião fala de um empreendimento acadêmico que, sustentado por recursos públicos, norteado por um interesse de conhecimento específico e orientado por um conjunto de teorias específicas, dedica-se de maneira não normativa ao estudo histórico e sistemático de religiões concretas em suas múltiplas dimensões, manifestações e contextos socioculturais. A partir daí, o texto expõe como essa posição foi conquistada na história recente e qual é seu etos intelectual, com suas escolas próprias de investigação a partir da dupla estrutura da disciplina que destaca estudos históricos e sistemáticos como tarefas da Ciência da Religião.


Resta, portanto, a parte do leitor. É com vocês agora. Ótimos estudos.
Dr. Afonso M. L. Soares - Editor

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