Migrações e Teologia | Editorial | Ciberteologia - Revista de Teologia e Cultura

EDITORIAL

Esta 37ª edição de Ciberteologia: Revista de Teologia & Cultura é fruto de uma parceria bem sucedida entre Paulinas Editora e o Centro Studi Emigrazione de Roma, dirigido até o início de 2011 pelo Padre Lorenzo Prencipe, e que faz parte da Federação Internacional de Centros de Estudos para as Migrações “G. B. Scalabrini”. Trata-se de um conjunto de artigos concebidos em torno dos desenvolvimentos recentes da relação entre Migrações e Teologia.

Organizado pelo professor Giovanni Graziano Tassello, da seção de Basileia do Centro de Estudos (CSERPE), este dossiê, publicado originalmente em italiano, [1] traz ao público brasileiro a contribuição de estudiosos das várias ciências teológicas para que se faça uma análise da situação e do progresso da reflexão neste tema tão atual. Diante das transformações em curso, as quais levam ao estabelecimento de uma sociedade cada vez mais pluricultural e plurirreligiosa, torna-se ainda mais premente que as ciências teológicas desenvolvam caminhos interpretativos adequados.

A fim de entender inteiramente o papel que as migrações representam na sociedade e na Igreja, o artigo inicial traz um exame aprofundado de Lorenzo Prencipe sobre as numerosas pesquisas conduzidas por sociólogos e antropólogos sobre o nexo “migrações-religião”. Esses pesquisadores ressaltaram as mudanças que os imigrantes, portadores de estilos de vida, estruturas organizativas e expressões religiosas novas, determinam nas comunidades religiosas tradicionais e os desafios que permitem a passagem de uma estrutura monocultural para uma multicultural.

O autor sustenta que […] Nesta nossa era pós-secular, […] admite-se que à pluralidade das religiões deva ser estabelecido um espaço no debate público, que as políticas de integração não devem ignorar as religiões dos imigrantes, que tudo isso deve acontecer com respeito mútuo da autonomia entre Estado e religião.

A gestão da diversidade requer um Estado laico que assegure igual respeito para cada fé religiosa. Em vez de uma neutralidade indiferente do Estado, que ignora a religião e espera que com o desaparecimento da diversidade religiosa desapareçam também as dificuldades de integração dos imigrantes, é oportuno repensar a laicidade não como dimensão esvaziada do religioso, mas como espaço vital em que os crentes e os não crentes, respeitando as próprias convicções e motivações, possam discutir e buscar juntos, sem prevaricações e discriminações, os aspectos fundamentais da coesão social e da convivência, a busca e a defesa do bem comum

As mudanças no interior das Igrejas individuais locais obrigam os teólogos a perguntarem-se, na ótica das respectivas ciências teológicas, a respeito das implicações dessa “outra” presença para captar em toda a sua potencialidade tal “sinal dos tempos”.

Em seu artigo, Anna Fumagalli esclarece como a Bíblia, diante do fenômeno migratório, revelase uma fonte rica de inspiração. A experiência do migrar, de ser estrangeiro, do isolamento e do acolhimento, do medo e da estima devido à diversidade são temas conhecidos da Bíblia. Portanto, interrogar a Bíblia a respeito da experiência de migrar significa ficar exposto a uma superabundância de material, histórias, personagens, leis, motivações e desafios. Embora sendo relativamente recente o interesse específico dos biblistas por essas temáticas, existe à disposição uma farta literatura, mesmo se o quadro não é nada homogêneo. Anna Fumagalli examina os principais filões de estudo, entre os quais se destacam, no Novo Testamento, os temas de Jesus estrangeiro, do Povo de Deus em condição de estrangeiro e do Povo de Deus confrontado com os estrangeiros.

Para Gioachinno Campese, […] a reflexão teológica sobre as migrações e os imigrantes, isto é, aqueles que são os estrangeiros e os anfitriões por antonomásia, não é mais “estrangeira nem hóspede” no imenso e variado campo da teologia cristã, mas particularmente nesta primeira década do século XXI conseguiu, como o demonstra o número crescente de ensaios escritos e congressos organizados sobre o argumento, atrair vigorosamente a atenção e o interesse de alguns teólogos e dos crentes.

Essa era de migrações envolveu, sobretudo, os teólogos hispânicos ou aqueles com estreito contato com o mundo hispânico. Campese pensa que isso seja devido

[…] à importância fundamental que a história e a experiência humana, consideradas nos diversos contextos geográficos e culturais, têm adquirido na teologia contemporânea, especialmente a partir do século XX, como fontes essenciais da reflexão sobre a fé cristã junto com as Escrituras e a Tradição, que desde sempre foram consideradas os locais teológicos por excelência. A redescoberta do valor teológico da história e a experiência humana no contexto ocorrem ao mesmo tempo, principalmente nos países do chamado Terceiro Mundo afligidos por uma situação de enorme privação social, política e econômica, com um novo modo de conceber o objetivo da teologia: esta última não pode mais ser considerada como uma disciplina unicamente especulativa que dá razão à fé no mistério do Deus cristão, mas assume uma dimensão eminentemente “práxica”. Em outras palavras, o fim da teologia cristã não é mais simplesmente compreender, mas compreender para transformar a realidade de opressão, violência e pecado em que vivemos. […] “A teologia não só pensa em Deus, mas empenha-se também para seguir o caminho de Deus e age sobre a Palavra de Deus. Integra conceitualização, empenho e práxis”.

Não existem ainda muitos teólogos que discorram sobre os movimentos migratórios em termos morais. Graziano Battistella precede sua análise crítica dos ensaios de teologia moral referentes ao mundo das migrações com um exame profundo dos estudos no campo da filosofia moral. A literatura científica disponível indica como a maioria dos apartes a respeito da ética das migrações vê os filósofos como protagonistas em vez dos teólogos.

A reflexão ética sobre as migrações assistiu a um florescimento bastante recente. Não faltam contribuições anteriores, mas é principalmente a partir da década de 1970 que o tema tornase cada vez mais estudado, em particular pelos cultores da filosofia moral. Não é irrelevante que isso coincida com o início da globalização da migração.

Battistella afirma que se está […] ainda nos encontramos no início de uma articulação compreensiva do tema. Não se está nos primórdios com respeito aos grandes temas de fundo, mas para sua recompreensão quando a questão examinada é a migração. As migrações, pois, tornam-se também oportunidade para um aprofundamento das categorias da teologia moral, enquanto a voz da ética permanece débil nos ouvidos dos responsáveis pelas políticas migratórias, fundamentalmente baseadas em interesses de muitos, mas muito menos naquele dos imigrantes.

Gaetano Parolin propõe, por sua vez, que a construção de uma comunidade religiosa multicultural não é um fenômeno novo; constitui um tema bastante debatido também na Igreja primitiva. Ele oferece uma abordagem inovadora no campo de ação da missiologia. O próprio título – “Qual missão com os migrantes?” – faz entrever uma vontade de fazer a travessia daquela que sempre foi chamada de “a ação pastoral dos migrantes” para uma forma nova de entendê-la e praticá-la.

Sem querer entrar no mérito da natureza da “teologia pastoral”, também Giovanni Graziano Tassello revela como a atenção dada ao fenômeno migratório pela teologia pastoral católica permanece ainda irregular. Falta uma imposição geral e ainda são imprecisos os princípios fundamentais que permitam identificar motivações e ações que garantam aos migrantes plena expressividade na vida da Igreja e colaborar ativamente na construção do Reino de Deus. Na verdade, não se trata somente de fornecer concretamente uma ação específica e especializada ao crente individual que se encontra em movimento, mas de atingir uma compreensão global da Igreja como comunidade de crentes em que ninguém pode ser considerado estrangeiro.

Esta tentativa de reflexão sistemática e interdisciplinar, conduzida por alguns especialistas do setor, apresenta-nos uma visão internacional e não é específica da realidade brasileira ou latino-americana. Mas pode suscitar um convite e uma provocação aos (às) teólogos(as) de outras regiões para que também discutam com mais regularidade o fenômeno migratório, que se tornou um fenômeno estrutural da sociedade, e para que cheguem a uma maior sistematização metodológica.

Enfim, resta-nos agradecer ao diretor da revista Studi Emigrazione, Lorenzo Prencipe, por ternos oferecido a oportunidade de divulgar os resultados de tal pesquisa inicial em nossa revista eletrônica. Como afirmou o organizador da coletânea original, elas constituem uma primeira tentativa de sistematização teológica no contexto migratório e uma solicitação para ulteriores aprofundamentos.

[1] Cf.: Studi Emigrazione, rivista trimestrale, CENTRO STUDI EMIGRAZIONE – ROMA, ano XLVII, aprile-giugno 2010, n. 178.

Afonso Maria Ligório Soares

EDIÇÕES ANTERIORES

Utilizamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência, de acordo com a nossa [Política de Privacidade], o que pode acarretar no tratamento de dados pessoais. Ao continuar navegando, você concorda com as condições.