O lúdico e o religioso | Editorial | Ciberteologia - Revista de Teologia e Cultura

EDITORIAL

A Edição 50 de Ciberteologia dá seguimento às comemorações do décimo aniversário deste periódico totalmente on-line que inovou, em 2005, ao se apresentar com uma nova proposta editorial na área da pesquisa de estudos religiosos, principalmente de teologia cristã. O ano de 2015 encontra a revista numa fase madura, senhora de um patrimônio de mais de 2 milhões de acesso, com uma média de 40 mil acessos por edição.


As comemorações de uma revista só podem ser feitas por meio de textos publicados. Sendo assim, aqui vão novos textos. Boa parte da seleção deste número dá continuidade aos textos completos que originariamente foram comunicações científicas do 1º Simpósio Internacional do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, o Simpósio Internacional Entre o Lúdico e o Religioso: a religião nas interfaces do esporte e da festa popular. O evento teve lugar em junho de 2014.


Desse evento realizado na PUC-SP, nossa seção de Artigos publica dois trabalhos: Jogos de Gladiador como Rito Romano: das origens religiosas como celebração popular até seu caráter
de entretenimento de massa
, de Sérgio Aguiar Montalvão, e As romarias do Juazeiro do Norte e o mito Padre Cícero: entre o drama e o lúdico, trabalho apresentado por Carlos Alberto Tolovi e Marlene Duarte Bezerra. O primeiro quer demonstrar a origem dos Jogos de Gladiador, cujo relato mais antigo é datado do III século a.C. como ritual funeral, passando com o tempo a entretenimento para as grandes massas. Eles ocorriam geralmente no mês de setembro, na cerimônia dedicada ao aniversário do Templo de Júpiter. O segundo trabalho analisa as romarias do Juazeiro do Norte a partir de suas peculiaridades, no período delimitado entre 1989 e 1935. Seu início, as mudanças de foco ocorridas historicamente e sua importância no processo de transformação social, político e econômico local. Isso, sem perder de vista o enfoque principal: a perspectiva do drama e do lúdico sempre presente nas manifestações dos romeiros e romeiras de Padre Cícero.


Na seção de Notas há mais dois trabalhos oriundos do citado Simpósio do Programa de Ciência da Religião da PUC-SP. O primeiro, de Tatiana Machado Boulhosa, tem por título: Orgias funerárias: histórias e flertes nos jogos dos tradicionais velórios irlandeses. O texto é parte da pesquisa de doutorado da autora, que lida com questões ligadas a monastérios e santos da antiga Irlanda. Aqui ela destaca algumas práticas tradicionais que se imbricaram às práticas religiosas e foram, mais tarde, por elas ‘corrigidas’, tais como os velórios irlandeses, sempre regados por muita comida e pelo consumo de grandes quantidades de álcool. A dimensão lúdica desses festejos fúnebres é abordada pela autora.


A outra Nota vem de Wojciech Mittelstaedt, pesquisador polonês atualmente no Brasil, e tem o curioso título de Śmigus-dyngus: tradicional brincadeira pascal dos poloneses. Nela o autor aborda uma das mais divertidas manifestações culturais e religiosas do povo polonês, quando, na segunda feira depois da Páscoa, as pessoas brincam jogando água umas nas outras. Atualmente é uma das poucas brincadeiras tradicionais praticadas pelas pessoas jovens, e não só na zona rural, mas também nos grandes centros urbanos. O texto apresenta como uma difusão das diversas tradições e costumes populares virou uma brincadeira e enraizou-se na mentalidade do povo, fazendo parte do calendário festivo polonês. O autor procura construir uma reflexão sobre esta prática, originalmente de cunho religioso, e sua ressignificação, no dia de hoje, numa forma lúdica.


Além desses trabalhos relacionados ao Simpósio Internacional Entre o Lúdico e o Religioso, a seção de Artigos traz o trabalho de Ivanir Antonio Rampon, Espiritualidade missionária do seguimento a Jesus Cristo à luz da Evangelli Gaudium, onde, a partir da perspectiva da Teologia Espiritual, analisa-se como o Papa Francisco trata a temática da espiritualidade na Evangelli Gaudium. O autor ressalta que a Exortação foi antecipada e preparada pelo Papa através de vários gestos carregados de intensa força espiritual e pela retomada do “espírito do Concílio Vaticano II”. Depois de analisar o “pré-texto”, o autor mergulha no “texto” da Evangelli Gaudium considerando tensões entre a espiritualidade do seguimento a Jesus Cristo e a “espiritualidade do mercado” e o “mundanismo espiritual”. Aborda então como a “misericórdia” se tornou característica fundamental e decisiva na vida espiritual do cobrador de impostos Mateus e, através dele, na vivência do argentino Jorge Mario Bergoglio, destacando que o Papa assume a centralidade do Reino de Deus como decisiva para a ação evangelizadora na nova etapa eclesial que há de ser abalizada pela “alegria do Evangelho”. Finalmente, elencam-se dez dicas espirituais, oriundas da Exortação, para conhecer e seguir Jesus no mundo atual.


Também na seção de Artigos está a reflexão Desafios pastorais para uma eclesiologia aberta, de Alonso S. Gonçalves. O autor parte da constatação de que o estudo e debate da eclesiologia tem ganhado expressividade principalmente com a chegada do cardeal Jorge Mario Bergoglio ao Vaticano como Papa Francisco. Este artigo procura tratar de algumas características que compõem uma eclesiologia de baixo, pontuando caminhos e mediações pastorais para uma igreja que procura ter dimensões abertas a partir do atual contexto histórico. Fechando a seção está o texto Luso-romano brasileiro: uma interpretação da formação do catolicismo popular, de Cristiano Santos Araujo. Ele analisa a formação do catolicismo popular e a constituição místico-sincrético-religiosa do povo brasileiro. Divide a reflexão em dois pontos: a formação histórica do catolicismo luso-brasileiro no período colonial e imperial; e o processo de romanização do catolicismo brasileiro que, apesar da separação entre Igreja e Estado, se multiplicou e consolidou suas bases simbólicas de poder religioso e político em nossa terra brasileira. Nos dois caminhos, o autor percebe o valor da religiosidade popular, assim como as respectivas transformações sociais no povo brasileiro. E sugere que tal explique porque somos tão apegados a uma antiguidade religiosa católica, sendo ainda o catolicismo um orientador de valores e sentidos na modernidade brasileira do século XXI.


Na seção de Notas, o leitor ainda encontrará a colaboração de Robson Stigar e Vanessa Roberta Massambani Ruthes: A catequese e a missão evangelizadora da Igreja. A breve reflexão apresenta, em linhas gerais, o lugar e o papel da catequese em face do anúncio do Evangelho para a crise do mundo contemporâneo. Apresenta ainda uma nova compreensão da evangelização e da catequese já que ambas possuem cada qual uma identidade especifica, embora o objetivo final de ambas seja, segundo os autores, o mesmo: construir o Reino de Deus e de forma mais singular nos grandes centros urbanos.


A seção é encerrada com o comentário Cinema e Religião, da autoria do Prof. Dr. Enio José da Costa Brito, Professor Titular da PUC-SP e pesquisador do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciência da Religião da mesma Universidade. Ele faz uma apreciação crítica da pesquisa de mestrado de Nathalie de Almeida Hornhardt, de cuja banca participou como arguidor, e cujo objeto foi o filme “Santo forte”, um documentário do cineasta Eduardo Coutinho. Na seção de Resenhas, Pilar Martín nos oferece uma leitura de apresentação da obra En el corazón del Padre, de Fernando Rielo.


Isto posto, compete agora às leitoras e leitores fazerem jus aos propósitos confessados de Ciberteologia: comemorar conosco estes primeiros 10 anos de existência simplesmente lendo e saboreando o presente agora tornado público. E ótimas leituras, pois as comemorações seguirão adiante, ao longo do ano de 2015.


Dr. Afonso M. Ligorio Soares - Editor

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